Cristais de hidrato de metano em combustão. Estima-se que que a energia contida nos hidratos de metano no fundo dos oceanos seja mais que o dobro de toda a energia contida em todas as reservas de combustíveis fósseis.
Originalmente publicado em Quarta República.
Viva!
Em tempos difíceis, entre a incerteza, a confusão e a desinformação, e porque mais importante que criticar é apontar soluções, vou propôr em termos simples aquilo que penso serem as melhores opções para um Plano Energético Nacional.
Gostaria que este fosse um esboço inicial e, com a participação e discussão, pudesse resultar daqui um documento para a sociedade civil participar no processo de decisão política. Tratando-se de um artigo de opinião, em vez de juntar hiperligações, tentarei ser tão claro quanto possível, portanto, quaiquer dúvidas podem e gostaria que fossem colocadas nos Comentários.
UM PLANO ENERGÉTICO PARA PORTUGAL
Havemos de precisar de petróleo durante muito tempo. A indústria petroquímica deu-nos maravilhas como plásticos, fertilizantes agrícolas ou químicos que usamos para tudo, desde medicamentos que salvam vidas às roupas que vestimos e cosméticos para fingirmos ser bonitos. Parte do petróleo refinado é utilizado para alimentar os transportes e, ao preço actual, é insensato e irresponsável queimar petróleo quando temos alternativas mais baratas, menos poluentes, com origens mais seguras e mais sustentáveis, tanto ambiental como economicamente.
Temos de ter em conta, também, que, com os preços do petróleo a aumentar, torna-se cada vez mais viável retomar explorações abandonadas, explorar jazidas que antes eram inviáveis e começar a minerar em larga escala as areias e xistos betuminosos. Quando se incorpora estas reservas por explorar nas contas globais, vemos que não há falta de petróleo. Estamos é a caminhar em direcção à escassez de petróleo fácil de extrair. O lado bom disto é que, em vez de estarmos dependentes de países instáveis, vamos passar a ter mais fornecedores de confiança. Os E.U.A., por exemplo, se considerarmos os hidrocarbonetos e o metano contidos nos xistos, têm a maior reserva conhecida de combustíveis fósseis - serão, sem dúvida, a Arábia Saudita do futuro, durante séculos!
Mas, se queremos reduzir a nossa dependência energética, é óbvio que se torna imperativo utilizar aquilo que temos. E aqui começa a minha proposta: eliminar gradualmente a utilização de petróleo para produção de combustíveis, tendo em conta que podemos transformá-lo noutros bens mais necessários.
O sector dos transportes depende do gasóleo e da gasolina. As alternativas baseadas em biocombustíveis são indecentes: é inaceitável ter pessoas a passar fome porque os campos agrícolas foram convertidos em monoculturas intensivas de milho, cana de açúcar ou soja para fabricar bioetanol ou biodiesel. E a tecnologia que utiliza bactérias para processar a celulose em açúcares para fermentação e produção de bioetanol, além de ser cara, desvia a biomassa que pode ser aproveitada para produzir metano durante a decomposição desta e, posteriormente, ser usada como fertilizante orgânico na agricultura ou como combustível em centrais térmicas para produzir electricidade.
Outra questão é o carro eléctrico. Os maiores obstáculos à implementação dos carros eléctricos são as baterias e o tempo de carregamento. Só com baterias baratas, que durem vários anos e carreguem numa questão de minutos a energia suficiente para conferir uma autonomia semelhante aos carros com motor de combustão (cerca de 600km) é que esta é uma alternativa viável. Nada disto existe, ainda! Pode vir a existir, mas, não sabemos quando. E, partindo do princípio que estes problemas são ultrapassados, não podemos ter uma frota de carros eléctricos sem electricidade para os abastecer - a única fonte de energia viável para isto é o nuclear.
Não tendo uma indústria de aviação nem de construção naval, temos de continuar dependentes das exigências internacionais e continuar a refinar ou comprar combustíveis para aviões (Jet-A, 1A e B) e fuelóleo para navios (as exigências no sector naval passam, também, pela gasolina, diesel e gás natural). Se, no sector ferroviário, o transporte de passageiros pode chegar a ser totalmente suprido por locomotivas eléctricas, essa opção não é praticável no transporte de cargas que depende da tecnologia diesel-eléctrica. Também os transportes rodoviários pesados são, na sua maioria, dependentes do gasóleo.
O processo Fischer-Tropsch (FT) é conhecido há mais de setenta anos e tem vindo a ser desenvolvido, sobretudo, nos últimos dez. Este processo pode ser utilizado para converter metano (muitas vezes chamado "gás natural") ou carvão em combustíveis liquídos.
As reservas de carvão conhecidas podem durar vários séculos, é um combustível barato e, com a tecnologia que temos, já não é poluente. Além disto, as maiores reservas mundiais de carvão e lenhite estão em países amigáveis e seguros.
O gás natural ou, mais correctamente, metano, é abundante. Não só se encontra em depósitos associados a combustíveis fósseis como em ambientes ricos em matéria orgânica em decomposição, no fundo dos oceanos sob a forma de hidratos de metano ou pode ser produzido a partir de resíduos agrícolas e pecuários. É barato, virtualmente inesgotável e não polui rigorosamente nada! Nos últimos anos, em Portugal, foi feito um investimento considerável em centrais de ciclo combinado a gás natural, importado do Norte de África, para produção de electricidade. Na minha opinião, é um absurdo queimar um combustível importado para este fim.
Tendo o anterior em conta, defendo a substituição rápida da gasolina por metano. Defendo a substituição gradual do gasóleo por metano e por diesel FT produzido a partir de carvão (que tem menos enxofre), de acordo com as necessidades da indústria. Defendo a investigação em combustíveis FT para a aviação, produzidos a partir de metano, e de combustíveis FT, produzidos a partir de carvão, que possam substituir o fuelóleo.
Para a produção de electricidade, defendo um sistema redundante baseado numa rede nacional e em redes locais. Uma rede nacional composta por centrais a carvão (mais centrais que as actuais e mais dispersas) e barragens de elevado potencial hidroeléctrico (não é preciso mais crimes ambientais como as barragens de Foz Tua e Baixo Sabor, basta ampliar a capacidade de turbinagem das existentes), apoiada pelas já existentes centrais de ciclo combinado a metano (para suprir eventuais necessidades ou falhas, já que estas podem ligar e desligar conforme preciso). De acordo com a geografia e os recursos disponíveis, defendo a complementação da rede nacional com redes locais baseadas em fontes de energia diversificadas, que demonstrem ser economicamente viáveis sem subsídos e adequadas às regiões em questão: eólicas, hidroeléctricas, mini-hídricas, cogeração, microprodução, centrais térmicas a biomassa, centrais a metano produzido por explorações agrícolas e ETAR's e, se alguém quiser investir em fotovoltaica para vender a energia ao preço do mercado, porque não? Neste sistema, defendo que as regiões energéticas devem aspirar a ser auto-suficientes e, se possível, criar riqueza ao vender a electricidade excedente às regiões com menor capacidade de produção. A rede nacional, neste caso, além de contribuir pela redundância para a segurança do abastecimento, terá como principal função colmatar as intermitências associadas às fontes de energia utilizadas ao nível regional.
Defendo, também, quanto mais não seja pelo desenvolvimento tecnológico e industrial, juntamente com a criação de postos de trabalho associados, a investigação e desenvolvimento da tecnologia de reactores nucleares a sais fundidos (Molten Salt Reactors). Mesmo que esta tecnologia não venha a ser utilizada em Portugal, é uma mais-valia tecnológica que nos pode colocar da vanguarda mundial do sector da energia nuclear(só a China anunciou a construção deste tipo de reactores), abrir um novo mercado de exportações com valor acrescentado e criar postos de trabalho desde o sector mineiro(extração de urânio e tório), passando por um mercado à espera de ser explorado que é o reprocessamento dos resíduos nucleares existentes (há toneladas armazenadas por todo o mundo e todos se querem ver livres deles), à imensidão de mão de obra qualificada que este sector pode empregar. E, se além daquilo que defendo para o sector dos trasportes, os veículos eléctricos ultrapassarem as barreiras actuais e se tornarem uma opção viável (acredito que venham a ser a melhor opção para o trânsito urbano), então, daqui a trinta ou quarenta anos precisaremos de electricidade para abastecer uma frota de carro movidos a electricidade - só o nuclear pode suprir essa necessidade. Parece-me, portanto, que vale mais começar a criar riqueza de imediato e, caso venha a ser necessário, implementar uma tecnologia que já dominamos e nos sai mais barata. A alternativa é, em cima da hora, comprar tecnologia estrangeira, sem quaiquer mais valias para a nossa economia.
Isto, como já referi, é apenas um esboço daquilo que defendo, de acordo com os meus conhecimentos e opiniões actuais. Qualquer contribuição para este debate é bem-vinda.
Cumprimentos!
António Gaito
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