3 - O Equilíbrio das Tensões Internas
O delinquente mantém o investimento no mundo exterior, continuando a
interessar-se pelas coisas de uma forma geral, as coisas do mundo e a vida.
Todavia, a decepção, o conjunto traumático das experiências precoces confirma
a falha ao nível do narcisismo primário
e a ausência de uma função de contentor, de limite, exercitado pelo ambiente, o
Ego do sujeito renuncia o Super-Ego e alia-se cada vez mais ao Ideal do Ego, o
qual o prende, levando o sujeito a refugiar-se na identificação com o agressor
como uma forma privilegiada de se proteger das angústias, sob uma forma
especular e ilusória, uma espécie de véu, levando-o a acreditar que desta forma
não será mais agredido. Numa identificação ao agressor, agora é ele quem
agride, mas coloca-o num jogo de ataques e contra-ataques sempre renovados.
Uma outra particularidade dos delinquentes, em especial com patologia narcísica, consiste na
tríade das defesas maníacas pelo facto de se sentirem muito ansiosos,
confrontando-se continuamente com a sua fixação num registo muito arcaico. Na
opinião de Segal, H. o aparecimento das defesas maníacas não significa,
necessariamente, um fenómeno patológico, elas têm um importante e positivo
papel a desempenhar, na medida em que ajudam o Ego a superar o sofrimento e a
protegerem-no do desespero total. Quando o sofrimento e a ameaça diminuem, as
defesas maníacas podem gradualmente dar lugar à reparação.
As defesas maníacas serão usadas contra qualquer experiência de ter um
mundo interno ou de conter nele quaisquer objectos valorizados, bem como contra
qualquer aspecto da relação entre o Ego e o objecto que ameace conter
dependência, ambivalência e culpa.
A relação maníaca com
os objectos é caracterizada por uma tríade de sentimentos: controlo, triunfo
e o desprezo. O controlo sobre o objecto é uma forma de negar a sua
dependência, de não a reconhecer e, contudo, de arrastar o objecto de modo a
preencher uma necessidade de dependência, uma vez que o objecto é completamente
controlado, sendo, até certo ponto, um objecto com o qual o sujeito pode
contar. O triunfo é uma negação dos sentimentos depressivos de valorizar
e de se importar, está ligado à omnipotência e apresenta dois aspectos
importantes: Por um lado, o ataque primário feito ao objecto na posição
depressiva com o triunfo experimentado ao derrotar esse objecto, em especial
quando o ataque é fortemente marcado pela inveja, na medida em que estes
sujeitos vivem na bidimensionalidade. Por outro lado, o sentimento de triunfo é
aumentado como parte das defesas maníacas porque mantém afastados aqueles
sentimentos depressivos, tais como ansiar, desejar o objecto e sentir a falta
dele. Por fim, o desprezo pelo objecto é novamente uma negação do facto
de valorizá-lo, agindo como defesa contra a experiência de perda e de culpa. O
objecto de desprezo não é digno de culpa, e este desprezo, experimentado em
relação a esse objecto torna-se uma justificação para outros ataques contra
ele. Este sujeito que sofreu a perda traumática do objecto idealizado, ou uma
decepção traumática é impedido de efectuar uma internalização ideal, já que não
adquire a estrutura interna necessária, e o seu funcionamento mental permanece
fixado num self-objecto arcaico, onde a personalidade será, durante toda
a vida, dependente de certos objectos. Assim, este sujeito está constantemente
à procura daquele bom objecto que ele clivou e projectou.
A idealização do bom objecto parece motivar uma espécie de procura
incessante desse objecto como substituto do segmento que lhe falta na estrutura
psíquica para manter sozinho o equilíbrio. A sua escolha objectal é
precipitada, domina a primeira impressão. A esta escolha, vamos chamá-la de
eleição narcísica, não só porque o sujeito se reflecte no brilho do objecto
escolhido, se aquece no seu brilho e participa na sua grandiosidade, mas também
porque o objecto representa um duplo narcíseo – O Ideal do Ego, funcionando
como um refúgio para o narcisismo perdido na primeira infância, como um lugar
onde a crença na sua própria perfeição podia ser conservada. Sobre o duplo narcíseo,
quando o tempo e a realidade lhe mostra as diferenças, irrita-se, decepciona-se
e abandona para não se sentir, novamente, a dor do abandono.
Jacobson actualizou o conceito de Ideal do Ego de acordo com a sua
reformulação de narcisismo. O Ideal serve como uma arena na qual pode ter lugar
a fusão entre imagens do Eu Ideal e do objecto Ideal. Todavia, o medo de perder
o objecto e a negação deste medo, faz com que o sujeito nunca se coloque numa
posição de tirar proveito duma verdadeira relação objectal e de se oferecer a
ele. O objecto nunca corresponde ao idealizado, porque o objecto esperado nunca
é encontrado. Este conjunto de desespero e de raiva invade o sujeito, é o rosto
da decepção relacional. Ainda que o sujeito proceda desta forma defensiva e hipervigilante,
não lhe é possível evitar a angústia, levando ao aparecimento dos sintomas
fóbicos, provenientes de uma vivência triangular edipiana insuportável, onde a imago
materna é sentida como devoradora, absorvente ou persecutória, e/ou
abandonante, tratando-se de um processo de edipificação falhada, provocando um
mau estar generalizado. Assim, o futuro delinquente, constrói-se na convicção
de que as tensões internas, onde existe o predomínio e imaturidade do Id, com
um Ego fraco e um Super-Ego
lacunar são perigosas, não integradas, e em que essas mesmas tensões devem ser
expulsas para que não inundem o sujeito de sofrimento.
Desta forma, é com a passagem ao
acto que o sujeito encontra o refúgio para a descarga das tensões internas, na
qual existe a carga excessiva de afectos, angústias insuportáveis, sentidas ou
dificilmente contidas. A incapacidade de imaginar, apelando ao seu teatro
mental e aos seus intervenientes para representar a violência, resulta do
fracasso da habilidade do seu psiquismo em conter e elaborar a mentalização
pelo simbolismo. Quando estas tensões psíquicas são internas ou de fonte
externa, parece que o meio natural é a forma mais adequada para as diminuir,
para as transformar em emoções identificatórias, alguns pensamentos são perdidos
e aquela tensão é descarregada. A vantagem deste tipo de funcionamento mental,
desde que a capacidade de representar é curto-circuitada,
é permitir ao sujeito evitar o sentimento de certas angústias ou afectos
dolorosos, o desprazer como a culpabilidade ou o afecto depressivo. Por outro
lado, a desvantagem reside no facto de colocar o sujeito em constante conflito
interno, na medida em que este tipo de conduta impulsiva passa a ser habitual,
generalizada e estendida, representando a persistência de um desejo não
realizado.
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