22/09/12

A Passagem ao Acto Delinquente e a Patologia do Imaginário

(continuação)


3 - O Equilíbrio das Tensões Internas

O delinquente mantém o investimento no mundo exterior, continuando a interessar-se pelas coisas de uma forma geral, as coisas do mundo e a vida. Todavia, a decepção, o conjunto traumático das experiências precoces confirma a falha ao nível do narcisismo primário e a ausência de uma função de contentor, de limite, exercitado pelo ambiente, o Ego do sujeito renuncia o Super-Ego e alia-se cada vez mais ao Ideal do Ego, o qual o prende, levando o sujeito a refugiar-se na identificação com o agressor como uma forma privilegiada de se proteger das angústias, sob uma forma especular e ilusória, uma espécie de véu, levando-o a acreditar que desta forma não será mais agredido. Numa identificação ao agressor, agora é ele quem agride, mas coloca-o num jogo de ataques e contra-ataques sempre renovados.

Uma outra particularidade dos delinquentes, em especial com patologia narcísica, consiste na tríade das defesas maníacas pelo facto de se sentirem muito ansiosos, confrontando-se continuamente com a sua fixação num registo muito arcaico. Na opinião de Segal, H. o aparecimento das defesas maníacas não significa, necessariamente, um fenómeno patológico, elas têm um importante e positivo papel a desempenhar, na medida em que ajudam o Ego a superar o sofrimento e a protegerem-no do desespero total. Quando o sofrimento e a ameaça diminuem, as defesas maníacas podem gradualmente dar lugar à reparação.

As defesas maníacas serão usadas contra qualquer experiência de ter um mundo interno ou de conter nele quaisquer objectos valorizados, bem como contra qualquer aspecto da relação entre o Ego e o objecto que ameace conter dependência, ambivalência e culpa.

A relação maníaca com os objectos é caracterizada por uma tríade de sentimentos: controlo, triunfo e o desprezo. O controlo sobre o objecto é uma forma de negar a sua dependência, de não a reconhecer e, contudo, de arrastar o objecto de modo a preencher uma necessidade de dependência, uma vez que o objecto é completamente controlado, sendo, até certo ponto, um objecto com o qual o sujeito pode contar. O triunfo é uma negação dos sentimentos depressivos de valorizar e de se importar, está ligado à omnipotência e apresenta dois aspectos importantes: Por um lado, o ataque primário feito ao objecto na posição depressiva com o triunfo experimentado ao derrotar esse objecto, em especial quando o ataque é fortemente marcado pela inveja, na medida em que estes sujeitos vivem na bidimensionalidade. Por outro lado, o sentimento de triunfo é aumentado como parte das defesas maníacas porque mantém afastados aqueles sentimentos depressivos, tais como ansiar, desejar o objecto e sentir a falta dele. Por fim, o desprezo pelo objecto é novamente uma negação do facto de valorizá-lo, agindo como defesa contra a experiência de perda e de culpa. O objecto de desprezo não é digno de culpa, e este desprezo, experimentado em relação a esse objecto torna-se uma justificação para outros ataques contra ele. Este sujeito que sofreu a perda traumática do objecto idealizado, ou uma decepção traumática é impedido de efectuar uma internalização ideal, já que não adquire a estrutura interna necessária, e o seu funcionamento mental permanece fixado num self-objecto arcaico, onde a personalidade será, durante toda a vida, dependente de certos objectos. Assim, este sujeito está constantemente à procura daquele bom objecto que ele clivou e projectou.

A idealização do bom objecto parece motivar uma espécie de procura incessante desse objecto como substituto do segmento que lhe falta na estrutura psíquica para manter sozinho o equilíbrio. A sua escolha objectal é precipitada, domina a primeira impressão. A esta escolha, vamos chamá-la de eleição narcísica, não só porque o sujeito se reflecte no brilho do objecto escolhido, se aquece no seu brilho e participa na sua grandiosidade, mas também porque o objecto representa um duplo narcíseo – O Ideal do Ego, funcionando como um refúgio para o narcisismo perdido na primeira infância, como um lugar onde a crença na sua própria perfeição podia ser conservada. Sobre o duplo narcíseo, quando o tempo e a realidade lhe mostra as diferenças, irrita-se, decepciona-se e abandona para não se sentir, novamente, a dor do abandono.

Jacobson actualizou o conceito de Ideal do Ego de acordo com a sua reformulação de narcisismo. O Ideal serve como uma arena na qual pode ter lugar a fusão entre imagens do Eu Ideal e do objecto Ideal. Todavia, o medo de perder o objecto e a negação deste medo, faz com que o sujeito nunca se coloque numa posição de tirar proveito duma verdadeira relação objectal e de se oferecer a ele. O objecto nunca corresponde ao idealizado, porque o objecto esperado nunca é encontrado. Este conjunto de desespero e de raiva invade o sujeito, é o rosto da decepção relacional. Ainda que o sujeito proceda desta forma defensiva e hipervigilante, não lhe é possível evitar a angústia, levando ao aparecimento dos sintomas fóbicos, provenientes de uma vivência triangular edipiana insuportável, onde a imago materna é sentida como devoradora, absorvente ou persecutória, e/ou abandonante, tratando-se de um processo de edipificação falhada, provocando um mau estar generalizado. Assim, o futuro delinquente, constrói-se na convicção de que as tensões internas, onde existe o predomínio e imaturidade do Id, com um Ego fraco e um Super-Ego lacunar são perigosas, não integradas, e em que essas mesmas tensões devem ser expulsas para que não inundem o sujeito de sofrimento.

Desta forma, é com a passagem ao acto que o sujeito encontra o refúgio para a descarga das tensões internas, na qual existe a carga excessiva de afectos, angústias insuportáveis, sentidas ou dificilmente contidas. A incapacidade de imaginar, apelando ao seu teatro mental e aos seus intervenientes para representar a violência, resulta do fracasso da habilidade do seu psiquismo em conter e elaborar a mentalização pelo simbolismo. Quando estas tensões psíquicas são internas ou de fonte externa, parece que o meio natural é a forma mais adequada para as diminuir, para as transformar em emoções identificatórias, alguns pensamentos são perdidos e aquela tensão é descarregada. A vantagem deste tipo de funcionamento mental, desde que a capacidade de representar é curto-circuitada, é permitir ao sujeito evitar o sentimento de certas angústias ou afectos dolorosos, o desprazer como a culpabilidade ou o afecto depressivo. Por outro lado, a desvantagem reside no facto de colocar o sujeito em constante conflito interno, na medida em que este tipo de conduta impulsiva passa a ser habitual, generalizada e estendida, representando a persistência de um desejo não realizado.

 

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