19/09/12

A Passagem ao Acto Delinquente e a Patologia do Imaginário



2 - Passagem ao Acto

Em primeiro lugar, importa clarificar que o termo passagem ao acto e acting- out não têm o mesmo significado, ainda que por diversas vezes o mesmo seja utilizado como tal. Por isso mesmo, alguns autores defendem-no de diversas formas. De acordo com Freud, na passagem ao acto o paciente repete em vez de recordar. Esta situação fá-lo sustentar a teoria que ao repetir o sujeito se recorda. Longe de ser um curto-circuito da mentalização ou de uma expressão corporal impulsiva que serve para conter as subidas de excitação disruptivas, a passagem ao acto da transferência é uma forma de retorno do recalcado, uma forma de actualizar o passado que se produz em vez e em lugar da rememoração. Como escreve Freud “a repetição é a transferência do passado esquecido”. A passagem ao acto é a ilustração de uma propriedade fundamental da pulsão, a compulsão à repetição que, incitando à descarga, reduz a falência da elaboração psíquica.

Por sua vez, Lacan, no seminário sobre a angústia, instaurou uma distinção entre passagem ao acto e acting out. Para ele, o acto é sempre um acto significante, que permite ao sujeito transformar-se a posteriori. A passagem ao acto, trata-se de um “agir inconsciente”, de um acto não simbolizável pelo qual o sujeito descamba para uma situação de ruptura integral, de alienação radical. Identifica-se então com o objecto “a”, ou seja, com um objecto excluído ou rejeitado de qualquer quadro simbólico. Por sua vez, o acting out, não é um acto, mas uma procura de simbolização que se dirige ao outro. Como o próprio refere, é um disparate destinado a evitar a angústia.

Para Laplanche et Pontalis a passagem ao acto é um “termo empregue em psicanálise para designar as acções bem frequentes apresentando um carácter impulsivo comparativamente em ruptura com os sistemas de motivações habituais do sujeito, relativamente isolado dentro do curso das suas actividades, tomando frequentemente uma forma de auto ou hetero-agressividade".

Por certo que existem inúmeros exemplos para explicar a passagem ao acto. Desde aquele sujeito que por se sentir ameaçado pelo outro age como forma de rivalizar, uma espécie de inveja, sendo esta expressa de forma circunscrita e simbólica, na medida em que existe um desejo inconsciente de se tornar como o Outro, “anões que se querem sentir homens grandes”, num momento de elevação narcísica, ou então, aquele que age ao sentir-se inundado por um sentimento inconsciente de culpabilidade, sendo que a acção funciona como uma obrigatoriedade imposta pela rigidez do Super-Ego.

Numa outra vertente, quando a representação do Outro não existe, o Id está a céu aberto, num Super-Ego lacunar, construído à semelhança da imago arcaica, o Outro como lugar do significante e de onde recebemos a nossa mensagem está do lado de fora. É invasor, é persecutório e submete o sujeito, pela alucinação, aos seus caprichos. Aqui não existe a entrada da Lei Paterna no momento da estruturação psíquica na infância, o que faz com que o sujeito não consiga fazer articulações, substituições de sentido simbólico. Então, qualquer iminência de buraco, qualquer iminência de separação dos laços imaginários da ancoragem que fragilmente sustentam o sujeito aponta para o perigo da aparição de uma destituição subjectiva, de um desarranjo nas imagens às quais estão ancorados. Certo é que, independentemente da tonalidade de ancoragem que queiramos dar à propensão do agir, este é feito com o objectivo de descarregar as tensões psíquicas, podendo este ser contínuo, tal qual como o conflito, ou então, uma solução acidental e rara.

 (continua...)

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