Helder Pereira
Salvado (Psicólogo Clínico, 2004)
Introdução
A realização deste artigo tem por
objectivo a reflexão sobre os aspectos psicodinâmicos na incapacidade de
determinados sujeitos representarem no palco do seu teatro mental a violência,
a agressividade justificado pela frequência da passagem ao acto, como forma de
equilíbrio do jogo interno, numa solução económica, procurando eliminar a
angústia, fugindo desta forma à depressão numa espécie de pensamento
operatório, uma mente branca. Partindo da opinião de Williams (1984), podemos
entender a violência como a "não
digestão" psíquica, ou se preferirem, uma espécie de " curto-circuito" que existe
entre os três "actores"(Id, Ego
e Super-Ego), no jogo das suas
relações intra e interpessoais.
Na opinião de Mailloux (1971), certos
sujeitos podem apresentar condutas semelhantes, no entanto, a sua organização
mental é radicalmente diferente. Esta passagem ao acto não é específica de
determinada estrutura ou organização
mental, já que pode ser praticada por sujeitos neuróticos ou psicóticos, de
forma constante ou numa espécie de loucura transitória. Assim, podemos dizer
que este agir pode estar inscrito numa estruturação de personalidade ou numa
aestruturação, conforme refere Bergeret.
De acordo com Coimbra de Matos (2002),
para melhor compreendermos a delinquência importa referir um aspecto
importante. O termo delinquente diz respeito à criminologia, referindo-se à
transgressão da lei, das normas da sociedade. Todavia, muito frequentemente
associa-se o termo delinquente ao anti-social, o que de facto não corresponde à
verdade, na medida em que o delinquente transgride a lei, enquanto que, o
anti-social rejeita a sociedade e nem sempre se torna delinquente, limitando-se
por vezes ao isolamento. Do ponto de vista da compreensão psicodinâmica, os
traços mais característicos na delinquência são a inconstância da relação de
objecto, onde o objecto interno, além de ser altamente persecutório, é
constantemente projectado e perseguido. A falha de interiorização do bom
objecto, origina um sentimento de depressão inconsciente, compensada por um
comportamento de instabilidade e de fuga para a frente e, nos melhores casos, a
recriação de objectos como prolongamento e acabamento do objecto bom parcial e
interno. Outra característica é a intolerância à frustração e a incapacidade de
suportar a ansiedade imposta pela realidade. O seu dinamismo psíquico é caracterizado
pela não elaboração mental consumindo toda a energia pulsional pelo agir.
Todos nós partilhamos da ideia
defendida por Coimbra de Matos (2002), na qual, toda a criança, na sua estruturação mental
e para um desenvolvimento afectivo normal precisa de amor, consideração e
apreço de modo a estabelecer a vinculação e, posteriormente, ser capaz de a
representar pela evocação. Qualquer falta a este nível conduz a um sentimento
depressivo de falta ou insuficiência, a qual, se não for preenchida, provoca
uma insuficiência narcísica. Por isso, as carências ou perdas precoces no
decorrer da infância têm um prognóstico sombrio.
Neste sentido, a ameaça da perda
do objecto dá origem a uma raiva e a um índice de desespero que motiva a
mobilização para uma organização defensiva baseada na negação, clivagem e
projecção, organizando-se em redor das estratégias de fuga, longe do objecto.
Esta mobilização defensiva procura proteger o sujeito da angústia de perder o
objecto ou de ser narcisicamente ferido. O Ego procura desesperadamente negar
esta ameaça. Esta negação toma, habitualmente, e no caso do delinquente, a
forma mais benigna da negação da importância do objecto ou negação da sua
dependência sobre ele, tornando-se ambivalentes. A negação da necessidade deste
auxílio, fá-lo não procurar apoio e raramente vai em direcção a um objecto
seguro, contentor das suas angústias, com o temor de ser novamente rejeitado ou
ferido. Mais vale abandonar do que ser abandonado, uma vez que para este
sujeito o estar com e estar em têm o mesmo significado.
A carência
ou perda dos três aspectos acima referidos, e necessários para a compleição
narcísica, têm incidências psicopatológicas diferentes. Assim, a falta de
amor, por indiferença ou rejeição da parte do objecto, conduz,
preferencialmente, ao bloqueio afectivo e à atitude agressiva: - raiva
narcísica; a falta de consideração, com atitude possessiva da parte do
objecto, e esmagamento dos desejos e dos direitos da criança, tende a produzir
um desenvolvimento masoquista: - atitude passiva; por fim, a falta de apreço,
por desvalorização e, algumas vezes, troça por parte do objecto, provoca uma
deterioração da auto-imagem, reflectindo-se numa lesão narcísica principalmente
ao nível do falonarcisismo, da auto-imagem sexual. É aqui que o sentimento de
inferioridade vai afectar mais o amor próprio, verificando-se o confronto
violento entre dois narcisismos, como refere Bergeret.
No seguimento da linha de
pensamento do autor acima referenciado, e na sequência das relações
interpessoais, o acumular de experiências traumáticas, não só punições, como
também humilhações e privações, gera no sujeito a agressividade, ou possibilita
o aparecimento de condutas hostis que podem levar à destruição, não só dele como do outro. Um
sujeito magoado, ressentido e carente – deflação narcísica – reage com maior
facilidade à agressão, às ameaças e ofensas, já que, o medo, a crueldade e a
raiva narcísica assim lho impõem. O Homem, porque se conhece, e conhece o
outro, necessita de amor. A frustração da expectativa de receber amor, apreço e
reconhecimento, é de entre todas, aquela que mais hostilidade e revolta provoca
no sujeito. Se num determinado momento não se verifica a entrada de amor, mas
somente saída, então o sujeito vive numa economia afectiva, resultando na
transformação afectiva do amor em ódio. A violência é o destino daquele que não
é amado. Quando o desejo de consideração não é realizado, ao Homem narcisicamente
frustrado, desponta-lhe a ira. Ferido no seu orgulho desenvolve a raiva como um
enorme ressentimento, que para além de um duradouro, violento e indomável
desejo de vingança, provoca a retracção narcísica e a rotura relacional. A
representação do objecto apaga-se, quase desaparece, e daí o vazio, a desertificação
do mundo interior, o esbatimento ou semi-perda do objecto interno.
Em resultado das carências e
perdas afectivas referidas anteriormente, estas levam à agressividade e à baixa
auto-estima, tendo aquelas, origem na frustração afectiva e narcísica, e como
reflexo, a agressão e a humilhação, aparecem juntas e potenciam-se mutuamente.
Mantendo a mesma linha de perturbação, o mal amado e, consequentemente
agressivo e violento, nem sempre mostra a sua agressividade. É, então portador
e agente de um núcleo violento oculto. O sujeito só toma consciência e se
apercebe do efeito nefasto dessa violência ao longo do tempo. Como Coimbra de
Matos refere “É
como se respirasse um gás tóxico mas inodoro e não irritante”.
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