18/09/12

A Passagem ao Acto Delinquent e a Patologia do Imaginário.


 

Helder Pereira Salvado (Psicólogo Clínico, 2004)

 

Introdução

A realização deste artigo tem por objectivo a reflexão sobre os aspectos psicodinâmicos na incapacidade de determinados sujeitos representarem no palco do seu teatro mental a violência, a agressividade justificado pela frequência da passagem ao acto, como forma de equilíbrio do jogo interno, numa solução económica, procurando eliminar a angústia, fugindo desta forma à depressão numa espécie de pensamento operatório, uma mente branca. Partindo da opinião de Williams (1984), podemos entender a violência como a "não digestão" psíquica, ou se preferirem, uma espécie de " curto-circuito" que existe entre os três "actores"(Id, Ego e Super-Ego), no jogo das suas relações intra e interpessoais.

 Palavras chave: imaginário, violência, agressividade,  angústia, passagem ao acto.

 
1 - A Psicodinâmica do Delinquente

Na opinião de Mailloux (1971), certos sujeitos podem apresentar condutas semelhantes, no entanto, a sua organização mental é radicalmente diferente. Esta passagem ao acto não é específica de determinada estrutura ou organização mental, já que pode ser praticada por sujeitos neuróticos ou psicóticos, de forma constante ou numa espécie de loucura transitória. Assim, podemos dizer que este agir pode estar inscrito numa estruturação de personalidade ou numa aestruturação, conforme refere Bergeret.

De acordo com Coimbra de Matos (2002), para melhor compreendermos a delinquência importa referir um aspecto importante. O termo delinquente diz respeito à criminologia, referindo-se à transgressão da lei, das normas da sociedade. Todavia, muito frequentemente associa-se o termo delinquente ao anti-social, o que de facto não corresponde à verdade, na medida em que o delinquente transgride a lei, enquanto que, o anti-social rejeita a sociedade e nem sempre se torna delinquente, limitando-se por vezes ao isolamento. Do ponto de vista da compreensão psicodinâmica, os traços mais característicos na delinquência são a inconstância da relação de objecto, onde o objecto interno, além de ser altamente persecutório, é constantemente projectado e perseguido. A falha de interiorização do bom objecto, origina um sentimento de depressão inconsciente, compensada por um comportamento de instabilidade e de fuga para a frente e, nos melhores casos, a recriação de objectos como prolongamento e acabamento do objecto bom parcial e interno. Outra característica é a intolerância à frustração e a incapacidade de suportar a ansiedade imposta pela realidade. O seu dinamismo psíquico é caracterizado pela não elaboração mental consumindo toda a energia pulsional pelo agir.

Todos nós partilhamos da ideia defendida por Coimbra de Matos (2002), na qual, toda a criança, na sua estruturação mental e para um desenvolvimento afectivo normal precisa de amor, consideração e apreço de modo a estabelecer a vinculação e, posteriormente, ser capaz de a representar pela evocação. Qualquer falta a este nível conduz a um sentimento depressivo de falta ou insuficiência, a qual, se não for preenchida, provoca uma insuficiência narcísica. Por isso, as carências ou perdas precoces no decorrer da infância têm um prognóstico sombrio.

Neste sentido, a ameaça da perda do objecto dá origem a uma raiva e a um índice de desespero que motiva a mobilização para uma organização defensiva baseada na negação, clivagem e projecção, organizando-se em redor das estratégias de fuga, longe do objecto. Esta mobilização defensiva procura proteger o sujeito da angústia de perder o objecto ou de ser narcisicamente ferido. O Ego procura desesperadamente negar esta ameaça. Esta negação toma, habitualmente, e no caso do delinquente, a forma mais benigna da negação da importância do objecto ou negação da sua dependência sobre ele, tornando-se ambivalentes. A negação da necessidade deste auxílio, fá-lo não procurar apoio e raramente vai em direcção a um objecto seguro, contentor das suas angústias, com o temor de ser novamente rejeitado ou ferido. Mais vale abandonar do que ser abandonado, uma vez que para este sujeito o estar com e estar em têm o mesmo significado.

A carência ou perda dos três aspectos acima referidos, e necessários para a compleição narcísica, têm incidências psicopatológicas diferentes. Assim, a falta de amor, por indiferença ou rejeição da parte do objecto, conduz, preferencialmente, ao bloqueio afectivo e à atitude agressiva: - raiva narcísica; a falta de consideração, com atitude possessiva da parte do objecto, e esmagamento dos desejos e dos direitos da criança, tende a produzir um desenvolvimento masoquista: - atitude passiva; por fim, a falta de apreço, por desvalorização e, algumas vezes, troça por parte do objecto, provoca uma deterioração da auto-imagem, reflectindo-se numa lesão narcísica principalmente ao nível do falonarcisismo, da auto-imagem sexual. É aqui que o sentimento de inferioridade vai afectar mais o amor próprio, verificando-se o confronto violento entre dois narcisismos, como refere Bergeret.

No seguimento da linha de pensamento do autor acima referenciado, e na sequência das relações interpessoais, o acumular de experiências traumáticas, não só punições, como também humilhações e privações, gera no sujeito a agressividade, ou possibilita o aparecimento de condutas hostis que podem levar à destruição, não só dele como do outro. Um sujeito magoado, ressentido e carente – deflação narcísica – reage com maior facilidade à agressão, às ameaças e ofensas, já que, o medo, a crueldade e a raiva narcísica assim lho impõem. O Homem, porque se conhece, e conhece o outro, necessita de amor. A frustração da expectativa de receber amor, apreço e reconhecimento, é de entre todas, aquela que mais hostilidade e revolta provoca no sujeito. Se num determinado momento não se verifica a entrada de amor, mas somente saída, então o sujeito vive numa economia afectiva, resultando na transformação afectiva do amor em ódio. A violência é o destino daquele que não é amado. Quando o desejo de consideração não é realizado, ao Homem narcisicamente frustrado, desponta-lhe a ira. Ferido no seu orgulho desenvolve a raiva como um enorme ressentimento, que para além de um duradouro, violento e indomável desejo de vingança, provoca a retracção narcísica e a rotura relacional. A representação do objecto apaga-se, quase desaparece, e daí o vazio, a desertificação do mundo interior, o esbatimento ou semi-perda do objecto interno.

Em resultado das carências e perdas afectivas referidas anteriormente, estas levam à agressividade e à baixa auto-estima, tendo aquelas, origem na frustração afectiva e narcísica, e como reflexo, a agressão e a humilhação, aparecem juntas e potenciam-se mutuamente. Mantendo a mesma linha de perturbação, o mal amado e, consequentemente agressivo e violento, nem sempre mostra a sua agressividade. É, então portador e agente de um núcleo violento oculto. O sujeito só toma consciência e se apercebe do efeito nefasto dessa violência ao longo do tempo. Como Coimbra de Matos refere “É como se respirasse um gás tóxico mas inodoro e não irritante”.

 (continua .....)


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